terça-feira, setembro 18, 2007

Orgulho de Neto

Reprodução da entrevista do meu avô na revista Electro Imagen de 17 de Setembro de 2007.

O perfil de… João Cardoso

Com 93 anos, João Cardoso pode orgulhar-se de ser um “dinossauro” dos electrodomésticos. Esteve na origem da primeira loja do sector a abrir na cidade de Portalegre e, hoje, passados mais de 50 anos, continua a trabalhar todos os dias, muitas vezes até de madrugada.

Apesar do seu ar franzino, João Cardoso irradia saúde e vontade de trabalhar. Embora não goste de se levantar cedo, quando chega à loja perde a noção do tempo e nem dá conta das horas passarem. “Gosto de trabalhar até tarde. Ainda ontem eram duas da manhã quando me fui embora”.

A Quezada & Cardoso Lda, no centro de Portalegre, mantém-se de pedra e cal há mais de 50 anos, testemunhando a evolução no mundo dos electrodomésticos: do “boom” dos rádios de onda-curta ao gira-discos, do walkman ao iPod, dos primeiros fogões a gás às placas de vitrocerâmica, da televisão a preto e branco aos plasmas e LCDs…

“Antigamente, para ligar um aparelho, bastava ligá-lo à corrente e girar o botão, agora há milhares de produtos e marcas diferentes”.

Apesar de, de vez em quando, ainda atender os clientes, João Cardoso passa a maior parte do tempo a tratar da parte administrativa, entretido com a escrita, com a contabilidade e com os fornecedores. “Há sempre coisas para fazer”. Tantas que, quando olha para o relógio, já passa muitas vezes da meia-noite.

80 anos antes…

À semelhança de tantas crianças do seu tempo, com apenas 10 anos e a 4ª classe completa, João Cardoso abandonou a escola e foi trabalhar. Alguns anos depois, já era funcionário da mais movimentada mercearia da região, onde se vendia o “combustível da época”: cevada e aveia para os animais que puxavam as carroças.

Chegou a trabalhar em Lisboa como funcionário da Philips, empresa onde aprendeu a arranjar aparelhos de rádio. Quando voltou para Portalegre, ofereceram-lhe três empregos: numa livraria, numa ourivesaria ou como técnico de rádio. Escolheu o último: uma empresa que juntava no mesmo espaço um negócio de coroas de flores e a venda e reparação de rádios. Como não havia rádios para reparar, começou a vendê-los. Nesse mesmo ano, vendeu 250 aparelhos. Corria o ano de 1937, e “as pessoas estavam sequiosas por rádios”. Mas, cada aparelho custava 975 escudos e eram poucos os que tinham possibilidade de os comprar. Foi então que surgiu a brilhante ideia de vender às prestações. “Foi um sucesso: por 65 escudos por mês, as pessoas já podiam ter um rádio em casa”.

Em 1954, o patrão compra o estabelecimento do n.º 2 da Rua do Comércio e propõe-lhe sociedade na primeira loja inteiramente dedicada à venda de electrodomésticos em Portalegre. Quatro anos mais tarde, com algum dinheiro que foi juntando, João Cardoso compra a posição do sócio e oferece-a ao filho, José Cardoso, que ainda hoje se mantém à frente do negócio ao lado do pai.

A facilidade de pagar às prestações atraía muita gente à loja. “Facilitávamos tudo: ferros de engomar a 18 escudos por mês, Philishaves a 7,5 escudos, fogões e frigoríficos a 100 escudos de cada vez...”. Tudo na base da confiança. E o negócio corria de feição. “Não havia concorrência, tínhamos a casa sempre com movimento”.

A pequena loja de 60 metros quadrados, que acumulava uma área de exposição, uma oficina e uma secção de venda de discos, foi crescendo ao longo dos anos e deu lugar a um espaço de 300 metros quadrados divididos por três pisos, onde nem falta um elevador.

Só com a chegada das grandes superfícies é que o negócio começou a diminuir, queixa-se João Cardoso, recordando que nos tempos áureos chegava a vender 118 contos por dia.

“As coisas sempre correram como eu previa”

Com pena “que as coisas vão passando tão depressa”, este nonagenário dos electrodomésticos já conhece toda a Europa e uma boa parte do Mundo. Mas agora prefere viagens mais pequenas, que não o prendam muito tempo. Nas horas vagas, gosta de ler e de ver filmes de acção, especialmente os de espionagem, que “nos obrigam a raciocinar”.

Olhando para trás, João Cardoso considera-se um homem de sorte. “As coisas sempre correram como eu previa”, diz, salientando que, apesar de algumas vicissitudes da vida, não fica “agarrado aos problemas”, nem deixa que os problemas se agarrem a ele. E talvez seja esse o “segredo” da sua juventude.


Perfil:

Quem é?
João Cardoso
93 anos
Viúvo
Um filho, dois netos e quatro bisnetos

Cargo:
Sócio-gerente da Quezada & Cardoso Lda, em Portalegre

Formação:
2.º Ano do Curso da Escola Industrial

Hobbies:
Trabalhar, ler, ver filmes de acção

Livro:
Um pouco de tudo

Filme:
Filmes de acção, de espionagem

Música:
Clássica, Óperas e Operetas

Viagem:
Tailândia

Lema de vida:
Na vida há duas maneiras de viver, uma a complicar e outra a facilitar. Eu escolho sempre a segunda.

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